Enxertia em citros por substituição de ápice caulinar
INTRODUÇÃO
Uma rápida e considerável mudança mundial ocorreu no sistema de produção de
mudas cítricas, ora conduzido em ambiente protegido contra o ataque de insetos
e em recipientes, resultando em melhor controle fitossanitário e redução no
tempo de produção. De acordo com Graf (2001), o Estado de São Paulo produz
atualmente 20 milhões de mudas cítricas, sendo, destas, 3,5 milhões produzidas
em ambiente protegido.
A enxertia é vista como a arte de inserir uma parte de uma planta em outra
planta, de tal maneira que as duas constituam uma unidade e ambas continuem seu
crescimento. Thouin (citado por Bailey, 1944), na sua obra Monographie des
Greffes, de 1821, descreveu 119 diferentes maneiras de proceder-se a enxertia e
assinala que, para o sucesso do procedimento, há necessidade de justapor-se o
tecido cambial de ambas as partes envolvidas e de proteger-se apropriadamente a
região.
Com o advento da biotecnologia e das técnicas de cultura de tecidos, a prática
da enxertia para a produção de propágulos, além da mera continuidade de
crescimento entre as partes envolvidas, tem por objetivo a obtenção de mudas
sadias, isentas de doenças.
Na cultura dos citros, um tipo especial de enxertia foi desenvolvido para
possibilitar a recuperação de meristemas apicais com tamanho variando entre 0,2
a 0,8 mm, que não apresentam a mesma facilidade de desenvolvimento in vitro,
como observado para outras culturas. Assim, além da continuidade de crescimento
entre as partes envolvidas, a técnica permite a obtenção de plantas isentas de
doenças sistêmicas transmissíveis normalmente pela enxertia convencional. A
eficiência do processo, genericamente denominado de microenxertia, baseia-se na
utilização de ápices meristemáticos (enxertos), sem a presença de vasos
condutores e livres de patógenos (Navarro et al., 1975; 1976). Sua associação
com tratamento térmico permite a obtenção de material livre de patógenos de
difícil eliminação, como os vírus do complexo da sorose dos citros (Carvalho et
al., 2000).
Com a intenção de eliminar vírus em plantas citrícas sem, entretanto, utilizar
o processo de obtenção in vitro das mesmas, Takahara et al. (1986)
desenvolveram um método de trabalho, denominado "semimicroenxertia". Tal método
não requer condições assépticas na sua condução e associa tratamento térmico à
enxertia de ápices com reduzido tamanho (0,2-0,4 mm de espessura), em
"seedlings" decapitados acerca de 20-20,5 mm acima do colo. Os autores
relataram sobrevivência, em campo, de 10 a 20% das mudas enxertadas e indexadas
para doenças viróticas.
George & Sherrington (1984) afirmam que "a sobrevivência dos ápices de
Citrus microenxertados é dependente de seu tamanho". Relatam que, "ainda que
ápices muito pequenos tenham sido usados para a eliminação de vírus (tornando a
técnica difícil ou não-realizável), ápices maiores podem ser utilizados se a
microenxertia for efetuada com propósitos de propagação".
O uso de microborbulhas visando à enxertia mais precoce em citros, desde que o
câmbio do porta-enxerto apresente atividade e a casca se solte facilmente, foi
descrito por Wishart em 1961, conforme Platt & Optiz (1973). O uso de
técnica semelhante foi descrito recentemente, por Vijayakumari & Singh
(2000), na propagação rápida de material sadio de tangerina-'Nagpur' em
"seedlings" de seis meses de idade de limoeiros-'Cravo' e 'Rugoso'. Conforme
mencionado pelos autores, os resultados de 70% - 80% de pegamento podem ser
ainda melhorados com maior prática do operador.
O objetivo deste trabalho foi avaliar o pegamento de ápices caulinares com 2-
3 mm de espessura, de laranjeira-'Valência', sobre cinco diferentes porta-
enxertos, bem como o desenvolvimento inicial das plântulas formadas e os
aspectos morfoanatômicos da região de contato entre as duas partes envolvidas.
MATERIAL E MÉTODOS
Os trabalhos foram desenvolvidos em casa de vegetação e laboratório de
Morfologia Vegetal e do Departamento de Biologia Aplicada à Agropecuária, da
Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV/UNESP) Câmpus de
Jaboticabal-SP, no período de junho a novembro de 2001.
O material vegetal para a enxertia consistiu de gemas caulinares apicais
excisadas de da laranjeira-'Valência' (Citrus sinensis L. Osbeck), retiradas
manualmente com o auxílio de lâmina de barbear. As gemas caulinares, com
espessura de 2-3 mm (Figura_1), foram provenientes de ramos coletados de
plantas da Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro-SP.
Os porta-enxertos foram obtidos pela germinação de sementes das variedades de
porta-enxertos: Limoeiro-'Cravo' (Citrus limonia Osb.), Tangerina-'Cleópatra'
(Citrus reshni Hort. Ex Tan), Trifoliata-'Davis A' (Poncirus trifoliata Raf.),
Citrange-'Troyer' (C. sinensis x P. trifoliata, e Citrumelo-'Swingle' (C.
paradisi Macf. x P. trifoliata) coletadas de plantas-matrizes do Centro de
Citricultura Silvio Moreira/IAC/Cordeirópolis-SP.
O experimento foi montado em delineamento experimental inteiramente
casualizado, com cinco tratamentos, representados pelos porta-enxertos. Cada
tratamento foi repetido seis vezes e cada parcela possuía 16 plântulas. Os
dados obtidos foram submetidos a análise de variância, e as médias comparadas
pela aplicação do teste de Tukey, a 5% de probabilidade.
A semeadura foi realizada em junho de 2001, em tubetes plásticos contendo
substrato comercial à base de casca de pínus e vermiculita (PlantmaxÒ). Antes
de efetuar-se a enxertia, quando as plântulas se encontravam com 3 a 4
primórdios foliares (aproximadamente 60 dias após a semeadura), as mesmas foram
transplantadas para sacolas plásticas com capacidade de um litro, contendo
mistura de terra, areia e composto orgânico na proporção 1:1:1.
Aos 70 dias após a semeadura dos porta-enxertos, as plântulas foram submetidas
a análise de dados biométricos (altura das plântulas, número de folhas,
diâmetros dos caules e alturas dos cortes nos porta-enxertos), conduzidas para
laboratório, e com auxílio de lâmina de barbear, foram submetidas a corte
transversal do caule abaixo do primeiro eófilo, eliminando-se a parte aérea.
Imediatamente após a excisão dos ápices caulinares, os mesmos foram manualmente
transferidos para a região do corte dos porta-enxertos, sendo ambas as partes
unidas entre si por meio de filme plástico (Parafilmâ M), conforme pode ser
observado na Figura_2.
Aos 45 dias após a enxertia, determinou-se a percentagem de ápices caulinares
que emitiram parte aérea ("pegamento"), as alturas das novas plântulas formadas
e o número de folhas emitidas pelo enxerto.
Também aos 45 dias após a enxertia, três plântulas representativas de cada
tratamento foram selecionadas para proceder-se a análises histológicas e
anatômicas. As amostras consistiram da porção apical do caule, englobando uma
parte do caule dos porta-enxertos e as novas partes aéreas formadas. Após
permanecerem uma semana em solução fixadora, as amostras foram submetidas ao
processo de preparação de lâminas histológicas permanentes, de acordo com
Johansen (1940). As amostras de tecidos foram fotomicrografadas em microscópio
óptico, sendo os resultados analisados e discutidos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dados biométricos dos porta-enxertos (tratamentos), por ocasião da enxertia,
podem ser observados na Tabela_1.
A análise dos resultados expressos na Tabela_1 permite verificar que, por
ocasião da enxertia, as plântulas do porta-enxerto Trifoliata-'Davis A'
apresentavam-se comparativamente com caules de maior diâmetro e com maior
altura média, indicando maior vigor vegetativo, nesta fase de crescimento. Sob
outro aspecto, o Limoeiro-'Cravo' e o Citrange-'Troyer' apresentaram as maiores
alturas quanto ao ponto de corte dos caules (altura da enxertia). De acordo com
a metodologia empregada, as maiores alturas de corte, do colo até o ponto da
enxertia, facilitam a operação de colocação do enxerto.
Apesar de a cultivar Citrumelo 'Swingle' diferir significativamente das demais,
sendo superior quanto ao número médio de folhas por ocasião da enxertia, tal
parâmetro (número de folhas) parece ser um bom indicativo da fase de
crescimento na qual deva ser realizada a operação de enxertia, ou seja, quando
as plântulas apresentam entre 5-6 eófilos, o que ocorreu para todas as outras
cultivares, que não diferiram estatisticamente entre si neste aspecto.
Na Tabela_2, são apresentados dados biométricos das plântulas enxertadas, aos
45 dias após a realização dos enxertos.
Com relação a "pegamento" dos enxertos, verifica-se que os maiores índices
foram obtidos para o Limoeiro-'Cravo', o Citrange-'Troyer' e a Tangerina-
'Cleópatra', que foram superiores ao Citrumelo-'Swingle', mas não diferiram do
Trifoliata-'Davis A'.
De maneira geral, verifica-se que o procedimento proposto para a enxertia de
citros, por substituição do ápice caulinar, é efetivo, promovendo a união do
enxerto aos porta-enxertos utilizados e a continuidade do crescimento de ambos.
As diferenças observadas nas percentagens de "pegamento" podem estar
relacionadas ao maior ou menor grau de compatibilidade entre enxerto e porta-
enxertos testados.
A altura de plantas não diferiu entre os porta-enxertos, enquanto o número de
folhas emitidas com o uso do limoeiro-'Cravo' e Citrange-'Troyer' tendeu a ser
maior, e 'Cleópatra' e Citrumelo os menores.
Analisando-se de maneira geral os resultados expressos na Tabela_2, constata-se
que as alturas médias das plântulas, aos 45 dias após a enxertia, é uma
determinação que não reflete, adequadamente, o efeito dos tratamentos, visto as
mesmas não apresentarem, estatisticamente, diferenças entre si.
Com relação às percentagens de "pegamento" e ao número de folhas emitidas,
entretanto, tais parâmetros indicam marcante superioridade do Limoeiro-'Cravo',
em números absolutos. No extremo oposto, encontra-se o porta-enxerto Citrumelo-
'Swingle', que mostrou a menor percentagem absoluta de "pegamento" (34,37%) e
baixo número médio de folhas (2,51) emitidas pelos enxertos que deram
continuidade ao crescimento, igualando-se estatisticamente, neste último
aspecto, às cultivares Tangerina-'Cleópatra' e Trifoliata-'Davis A'.
As observações histológicas das lâminas da região do enxerto, ao microscópio
óptico, indicaram não haver diferenças morfológicas e anatômicas entre
tratamentos, podendo-se afirmar que, neste aspecto, as cultivares porta-
enxertos e enxertos uniram-se entre si de acordo com um padrão semelhante. A
Figura_3 A mostra a emissão de folhas pelo enxerto e a região de união entre o
porta-enxerto e enxerto, na qual foram feitos estudos anatômicos. Por sua vez,
a Figura_3_B, tomada na região de união do porta-enxerto limoeiro-'Cravo' e do
enxerto da laranjeira-'Valência', ilustra detalhes anatômicos e histológicos da
região de união dos enxertos e porta-enxertos.
A análise da Figura_3 evidencia que, para efeito de união das partes do
enxerto, não há, exatamente, necessidade de justaposição de tecidos vasculares:
observa-se, na foto 3 A, que a extremidade esquerda da base do ápice caulinar
(enxerto) encontra-se deslocada para o exterior do caule do porta-enxerto; na
foto 3 B, verifica-se que o enxerto encontra-se fora da orientação da linha de
continuidade do caule em ambas as direções, neste ângulo de observação. Com
maior detalhe, a fotomicrografia apresentada na Figura_4 traz uma provável
indicação da maneira como ocorreu a junção de tecidos vasculares entre o porta-
enxerto e o enxerto. A análise dos tecidos indica que, ainda que o ápice
caulinar da laranjeira-'Valência' não tenha sido completamente justaposto ao
caule do porta-enxerto, os tecidos vasculares internos ordenam-se para uma
solução de continuidade. Na região de contato entre ambos, ocorre proliferação
de células parenquimáticas. Tais resultados são condizentes com os relatados
por Dickison (2000), que afirma que o processo de soldadura de microenxertos
ocorre em poucos dias e que, neste estágio inicial, há formação de células
parenquimáticas na interface do enxerto, as quais preenchem a fenda no ponto da
enxertia, constituindo-se em calo que associa a copa e o porta-enxerto.
Continuando-se a análise da Figura_4, verifica-se que os feixes vasculares
confluem, por diferenciação específica destas células parenquimáticas de
cicatrização, na superfície de ambos os cortes. Segundo Jeffree & Yeoman
(1983), a diferenciação de algumas células do calo, a partir de novas células
pró-cambiais, formam uma conexão contínua de tecidos condutores, assegurando
uma sistematização da vascularização entre as partes envolvidas no enxerto.
O processo, de maneira geral, foi totalmente desenvolvido em ambiente
protegido, e apresenta potencialidades para a produção de mudas comerciais,
ressaltando-se os aspectos referentes à rapidez (cerca de 200 enxertos/hora
podem ser operacionalizados por um operador com prática) e à maior rapidez da
produção de mudas, tendo em vista a precocidade da enxertia. Tais aspectos,
entretanto, carecem de estudos mais detalhados, antes de sua aplicação prática.
CONCLUSÕES
Nas condições descritas para a metodologia e material empregados no presente
trabalho, pode-se concluir que o processo de enxertia, utilizando-se como
enxerto do ápice caulinar, mostra-se efetivo e factível, em condições não
axênicas, com o objetivo de produção de propágulos. Entre as cultivares de
porta-enxertos testadas, sobressaiu-se o Limoeiro-'Cravo', como suporte do
ápice caulinar isolado da laranjeira-'Valência'.