Construção do projeto pedagógico: experiência da faculdade de Enfermagem da
UERJ
PESQUISA/RESEARCH/INVESTIGACIÓN
Construção do projeto pedagógico: experiência da faculdade de Enfermagem da
UERJ
The construction of the pedagogic project: nursing school experience
La construcción del proyecto pedagógico: experiencia de la facultad de
Eenfermería de la UERJ
Luiza Mara CorreiaI; Regina Lúcia Monteiro HenriquesII; Maria de Fátima Hasek
NogueiraIII; Sandra de Araújo PachecoIV; Regina Trino RomanoV
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora Assistente do Departamento de
Enfermagem Materno-infantil (DEMI) da FENF/ UERJ / Chefe do DEMI.
IIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Diretora da Faculdade de Enfermagem da UERJ
/Professora Assistente do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública
IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora Assistente do Departamento de
Enfermagem Materno-infantil da FENF/UERJ
IVEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora Assistente do Departamento de
Enfermagem Materno-infantil da FENF/ UERJ / Sub-chefia do DEMI
VEnfermeira. Mestre em Tecnologias Educacionais nas Ciências da Saúde.
Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da FENF/
UERJ
E-mail do autor: luimacorreia@aol.com
1 Introdução
A construção do Projeto Pedagógico é uma questão que vem mobilizando educadores
no Brasil inteiro no cenário das reformas educacionais que ocorrem na América
Latina. A Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FENF/UERJ) vive desde 1992 um processo rico de discussão das propostas
constitutivas do seu Projeto.
Este artigo, de cunho histórico-social, tem como objeto à construção do Projeto
Político Pedagógico do Curso de Graduação da FENF/UERJ e como objetivo relatar
a experiência da construção deste Projeto voltado para defesa do que é público
e para uma formação de qualidade. Deste modo, foi realizada uma pesquisa
documental que utilizou fontes primárias existentes no Acervo do Centro de
Memória Drª Nalva Pereira Caldas, bem como fontes secundárias constituídas por
dissertações, artigos e livros de autores que tratam da temática. O recorte
temporal da pesquisa engloba o período de 1992 - 2002, bem como o contexto no
qual o projeto pedagógico emerge.
Essa pesquisa teve como marco inicial à criação, em abril de 1992, do "Fórum
Permanente para a Formação do Enfermeiro". O marco terminal foi à deliberação
da UERJ nº 05/2002 que autorizou a reestruturação do currículo pleno do Curso
de Graduação da FENF/UERJ. O marco referencial norteador expressa que: "todo
Projeto pedagógico é político e se acha molhado de ideologia"(1:145).Reflete o
pensamento do coletivo da Instituição sobre o que se quer, porque se quer e em
favor de quem se quer a educação. Uma Escola de Enfermagem que se pretende
democrática, que não produza desigualdades no seu interior, que tenha
competência para formar cidadãos trabalhadores, críticos e criativos para a
sociedade, e não para o mercado(2).O Projeto em pauta tem a marca de seu tempo,
das pessoas que lutaram pelas idéias nele expressas e do contexto em que se
insere, visto que nenhum projeto educacional é neutro. Para melhor explicitá-
lo, desenvolvemos a seguir, de forma breve, sua historiografia.
Nas três últimas décadas, o país passou por transformações no campo ideológico,
da política e no econômico, deixando suas marcas na sociedade, e na saúde da
população, cada vez mais pobre, faminta e doente.
No campo das políticas de saúde os Relatórios da 8ª Conferência Nacional de
Saúde (CNS) rompe com o paradigma biomédico então vigente e cria o Sistema
Único de Saúde. Quanto à formação dos profissionais da área, a 9ª CNS(3) indica
a revisão dos currículos, ajustando-os às realidades sociais, étnico-culturais
e ao quadro epidemiológico, garantindo uma formação geral com visão integral e
comprometimento social.
Apesar da realidade e da nova legislação as Instituições Formadoras de
Enfermagem, continuavam tratando as questões do corpo dentro de uma perspectiva
biológica e segmentada, não o considerando como uma totalidade, e o cuidado
inserido num contexto social e cultural. A formação de enfermeiros até 1994,
não mais acompanhava as demandas sociais, urgia não só a mudança do currículo
formal, mas também transformações nas concepções do currículo em ação,
norteadas por um novo paradigma de saúde e uma filosofia de educação crítica.
A década de sessenta representou um marco na trajetória da Escola com a sua
integração à universidade e o seu reconhecimento como unidade acadêmica. E em
1968, passa a se chamar Faculdade de Enfermagem da UERJ.
A década de setenta tem como marco a Reforma Universitária de 1968 que
determinou a revisão dos currículos dos cursos superiores no país, dando origem
ao Parecer nº 163/72, que vigorou até dezembro de 1994. Essa Reforma
Universitária se materializou na formação dos profissionais de saúde, tendo
como referência o Relatório Flexner. O conhecimento no ciclo básico era
oferecido por departamentos cada vez mais especializados, com pouca correlação
com a futura prática profissional, o aluno vivenciava a dicotomia entre
conteúdo teórico e prático e podia concluir a graduação tendo apenas noções de
Enfermagem em Saúde Pública. Existiam três Habilitações em Enfermagem
posteriores à Graduação, que perdeu o seu caráter de terminalidade, e ainda a
Licenciatura.
Nesta mesma década se caracterizou também pela estruturação e organização
cultural e corporativa da Enfermagem, com a implantação do primeiro Mestrado,
na Escola de Enfermagem Anna Nery, a criação dos Conselhos de Enfermagem e das
primeiras Associações Profissionais, que dariam origem aos sindicatos.
Na década de oitenta, à medida que as transformações iam ocorrendo nas esferas
político-jurídica e da saúde, os segmentos da enfermagem ligada ao Movimento de
Reforma Sanitária desencadeavam um processo de análise crítica, de natureza
político-ideológica acerca da categoria enfermeiro e sua formação, do modelo de
prestação de serviços, da estrutura social e da política educacional vigente,
que viria orientar o movimento de mudança do currículo mínimo.
A partir de 1986, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) liderou um
processo de discussão em todo o país articulada com a Comissão de Especialistas
de Enfermagem da SESu/MEC, com as entidades de classe da categoria e Escolas de
Enfermagem. Em 1987, no Rio de Janeiro, visando caracterizar a situação do
ensino de Graduação e apresentar alternativas para os problemas identificados.
Ocorreram quatro Seminários Regionais e um Nacional, com o tema "Ensino
Superior de Enfermagem". Em 1988 ocorreu um segundo Seminário Nacional, seguido
de outros Regionais, com o tema "Perfil e competência do Enfermeiro e suas
implicações no Currículo de Enfermagem", posteriormente sistematizado em uma
Oficina, dando origem a postulados fundamentais para um novo currículo. Em
1989, o Seminário Nacional "Currículo Mínimo para a Formação do Enfermeiro"
constituiu-se em fórum deliberativo do anteprojeto para mudança curricular. Em
maio de 1991, ocorreu nova oficina de trabalho resultando em um documento que
definiu os parâmetros e diretrizes para a formação deste profissional.
A década de noventa foi profícua. A mudança do paradigma curricular ganha corpo
a partir de março de 1992, quando a proposta encaminhada recebeu parecer
favorável da SENESu e finalmente, foram fixados os "Mínimos do Conteúdo e a
Duração do Curso de Graduação em Enfermagem", com a publicação do novo Parecer
CFE Nº314/94. Este indicava a formação de enfermeiros dotados de competência
técnico-científica e política, mudanças no marco conceitual:
a compreensão conjuntural do país e do contexto de saúde ; a estreita
relação entre processos de formação com o de trabalho em enfermagem;
o currículo (...) deveria favorecer a uma prática que atenda às
demandas de saúde da população e estar em consonância com os
princípios de universalidade, equidade, integralidade e
resolutividade das ações de saúde em todos os níveis de assistência
(4:7).
Ainda em 1994, em decorrência do fértil debate ocorrido se consubstancia um
novo fórum orientador de diretrizes para o ensino, os "Seminários Nacionais de
Diretrizes para a Educação em Enfermagem". O 1º SENADEn ocorre no Rio de
Janeiro orientado pelos objetivos de:
reconhecer os determinantes históricos intervenientes na política
educacional em enfermagem; relacionar os processos produtivos com as
diretrizes educacionais; identificar os entraves e dilemas presentes
nos processos de formação dos diversos níveis em enfermagem; traçar
estratégias e diretrizes para o ensino(.5:1).
Em 20 de dezembro de 1996, trinta e cinco anos depois da promulgação da
primeira LDB, foi publicada a Lei 9394/96 (nova LDB), fruto de mais de uma
década de negociações, demandando que todo o processo educacional vigente no
país se adequasse a ela. Cabe comentar que o processo de debate para o novo
currículo dos enfermeiros ocorreu em paralelo, dentro dos mesmos princípios, e
já nasceu com o espírito que a nova LDB preconizava.
O 2º SENADEn, só ocorre em 1997, quando a categoria debateu as dificuldades, as
estratégias e o estágio de implantação do novo currículo. O diagnostico
apontava para a persistência de um ensino com ênfase no modelo biomédico;
dissociação entre teoria e prática, indefinição no planejamento do estágio
supervisionado, além da falta de integração entre as disciplinas básicas e
profissionalizantes .
Em 1998, o 3º SENADEn, como tema central "As diretrizes para a educação em
enfermagem no contexto da nova LDB" , tem como um de seus objetivos debater o
Edital SESu/MEC n.º 4/98, "Enquadramento das diretrizes curriculares". Nesse
encontro foram propostas as competências, habilidades e conteúdos que deveriam
compor as diretrizes curriculares, a duração e a estruturação modular dos
projetos de curso, a organização dos estágios, o aproveitamento de atividades
extracurriculares e o perfil desejado. Mantiveram-se entretanto, as mesmas
diretrizes, princípios e conteúdos do Parecer nº 314.
Durante o 51º Congresso Brasileiro de Enfermagem, o Fórum de Escolas de
Enfermagem se reúne para debater o modelo encaminhado pelo SESu/MEC. Concluiu-
se que o texto punha em risco os eixos norteadores da proposta político
pedagógica construída até então, dada a sua concepção fragmentada do processo
de aprendizagem. A categoria reafirma os princípios e diretrizes, pelas quais
lutou, em um documento chamado "Carta de Florianópolis". Nesta se posiciona
contra a especialização precoce e os cursos seqüenciais, assume a necessidade
de se formar o Bacharel em Enfermagem, generalista, e apresenta o Projeto
Político Pedagógico da Enfermagem - PPPE.
Em 2000, o 4º SENADEn avança nesse Projeto com o tema central "Enfermagem:
estratégias e perspectivas político pedagógicas" , debatendo a aplicação das
novas diretrizes para o ensino e a elaboração pelas Instituições de Ensino
Superior (IES) de seus PPPE. Além de reafirmar os princípios da Carta de
Florianópolis, define o conceito de estágio curricular, com o mínimo de 500
horas, como atividades que dão terminalidade à graduação, distinto das
atividades práticas desenvolvidas no interior de cada disciplina.
Finalmente em outubro de 2001 é homologado o Parecer CNE/CES nº 1133/2001 -
Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem,
Medicina e Nutrição e em novembro a Resolução nº 3/2001, que institui as
diretrizes específicas para o ensino de graduação em enfermagem. Entretanto não
fica estabelecido o período de duração do curso.
Ainda nesse ano ocorre o 5º SENADEn, no qual as IES debatem o Exame Nacional de
Cursos e a Avaliação Institucional, determinados respectivamente pela Lei nº
9.131/95 e pelo Decreto nº 2026/96, sem, entretanto abandonar a análise e
implementação de seus Projetos Pedagógicos.
Em 2002, o 6º SENADEn ao abordar o tema "Educação e Mudanças: discutindo os
contextos, textos, lições e propostas", privilegia a implementação das
Diretrizes Curriculares e a construção dos PPPE. São apontados como fatores
geradores das dificuldades das IES a crise de financiamento das universidades
públicas e sua estruturação rígida, bem como a expansão indiscriminada de novos
cursos de enfermagem nas instituições privadas. Este encontro indica a
necessidade de um parâmetro nacional mínimo de carga horária para a graduação
de enfermagem de 4000 horas, com tempo de integralização de no mínimo 8
semestres letivos.
2 O processo de Reforma Curricular na FENF/UERJ
Enquanto parte da totalidade do Sistema Formador, na década de 70, a Faculdade
promoveu ajustes curriculares em virtude do Parecer nº 163/72.
Inicialmente um relatório da direção, em 1976, que apontava problemas no
processo ensino-aprendizagem, gerou a revisão na estrutura do currículo e a
Deliberação da UERJ nº29/77. Esta aprovava o currículo pleno do curso, com
carga horária na habilitação geral do enfermeiro de 3285 horas e de 750 horas
para o ciclo de habilitações específicas. O estágio supervisionado desenvolvido
nos dois últimos períodos do curso, visava superar sua fragmentação e
descontinuidade(6).
O desejo dos professores era implementar projetos englobadores do ensino, da
pesquisa e da assistência. Dessa forma, foi iniciado um movimento em prol de um
projeto com o Hospital Universitário Pedro Ernesto, que resultou em um acordo
Interinstitucional, firmado em abril de 1980, visando à criação do Internato de
Enfermagem. Somente em 1982 existiram condições políticas para sua
implementação, inicialmente desenvolvido no 7º período do curso, com as
disciplinas de estágio supervisionado em Enfermagem Médico-Cirúrgica; Doenças
Transmissíveis; Psiquiátrica e Administração de Enfermagem, com bolsa
remunerada para os alunos inseridos nesta modalidade de ensino(6).
O processo de redemocratização pelo qual passava o país nos anos 80, a proposta
da Reforma Sanitária, a implantação do Sistema Único de Saúde, e o movimento
desencadeado pela ABEn, encontraram eco na FENF/UERJ.(6)
Em 1986, dado aos resultados obtidos, o internato foi ampliado para o 6º e o 7º
períodos, com a introdução de estágios em Enfermagem Materno-Infantil e Saúde
Pública. Não obstante o currículo ainda ser centrado no modelo biomédico e na
assistência hospitalar, o aluno vivenciava outras situações da realidade em
unidades básicas de saúde, a partir de projetos integrados entre a Universidade
e a Secretaria Municipal de Saúde. Ainda nesse ano, ocorreram Oficinas
Curriculares procurando adequar o currículo às mudanças conjunturais que
atingiam as políticas de saúde e de educação e que se refletiam no campo da
enfermagem(6).
Em setembro de 1988, atendendo a solicitação da ABEn, foi realizado o seminário
interno "O Ensino de Graduação: Perfil e Competência", para discutir os
conceitos que norteariam a formação do enfermeiro e analisar estratégias de
operacionalização das Habilitações. Em dezembro de 1989, retomou-se o debate
interno a partir do documento "Nova proposta de currículo mínimo para a
formação do enfermeiro", da ABEn. Em março de 1991 ocorreu um fórum interno ,
visando a analise critica dos conteúdos programáticos do currículo.
Em abril de 1992, a direção recém eleita, articulada com o movimento de
aprovação do novo currículo mínimo nacional, criou o "Fórum Permanente para a
Formação do Enfermeiro" e constituiu uma comissão que organiza a "1ª Oficina de
trabalho para elaboração do plano quadrienal para a gestão 1992-1996" que
apontou diretrizes para o Ensino, a Pesquisa e a Extensão. No Ensino, o enfoque
foi o da Educação Crítica, com opção pela Pedagogia da Problematização, e
consoante com os princípios da Reforma Sanitária e com a proposta da ABEn.
Diagnosticou-se a necessidade de uma articulação interdisciplinar e
interdepartamental e a reformulação do currículo, pautado nas necessidades da
comunidade e na formação a partir do exercício da cidadania. A Pesquisa e
Extensão seriam desenvolvidas articuladamente com o ensino, o serviço e a
comunidade, tendo como objetivo a transformação da realidade(7).
A direção instituiu em maio, a Oficina de Criação que abriu um leque de
possibilidades e incluiu projetos como: "Análise Institucional", "Análise do
Processo de Avaliação Pedagógica", "Processo de Mudança Curricular" e o
"Projeto Vivendo Vivências".
Ainda em 1992, foi desencadeado um processo ao mesmo tempo de sensibilização do
grupo e análise da Instituição através da técnica de Psicodrama Institucional,
possibilitando desver os "Nós" das relações na Instituição, assim como na sua
Organização e na Missão. Em paralelo foi realizada uma Análise Institucional,
em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, desenvolvida durante dois anos que
apontou questões importantes para reflexão como: o feminino da enfermagem como
objeto de vigilância e dominação, o magistério e a enfermagem que conferem uma
dimensão do trabalho como extensão do lar; o objeto da práxis do enfermeiro -
o cuidado- centrado na pluralidade de disciplinas que emprestam à Enfermagem um
pouco do seu campo de conhecimento "(7).
Paralelamente, foi deflagrado um processo de reflexão da prática docente com os
cursos de "Capacitação Pedagógica", com a parceria da Escola Técnica em Saúde
Izabel dos Santos, dos quais participaram 80% dos docentes.
No ano de 1993, foram oferecidos cursos de Dinâmica de Grupo como estratégia
para sensibilizar e instrumentalizar o corpo docente para uma relação
pedagógica não vertical e não autoritária com os alunos.
Em setembro de 1994, ocorreu a 2ª Oficina de Trabalho "Nós e os Nós da
Avaliação", que identificou a avaliação como um dos problemas a ser tratado.
Propôs contextualizar historicamente a avaliação com o objetivo de manter o que
vale ser preservado, desprezar o inócuo e exorcizar o improdutivo e o
prejudicial(8).Os resultados alcançados com as estratégias já descritas e a
proximidade da oficialização do Novo Currículo Mínimo de Graduação, implicaram
em decidir em reunião de corpo docente por uma reforma curricular orientada por
uma concepção pedagógica crítica(8).Para concretização dessa proposta é criada
a Comissão para a Elaboração e Acompanhamento do Plano Estratégico da Reforma
Curricular do Curso de Graduação em Enfermagem da UERJ. Nesse momento duas
vertentes se complementavam: o desejo dos docentes e discentes de elaborarem um
currículo que articulasse dinamicamente ensino, trabalho, comunidade, teoria e
prática, e as aspirações da categoria consubstanciadas no Parecer CFE nº 314/
94.
O processo de construção do novo currículo se deu, desde o primeiro momento, de
forma coletiva, através de oficinas de trabalho promovidas pela Comissão de
Reforma Curricular. Durante o ano de 1995 foram realizadas as Oficinas:
Formação do Enfermeiro e Currículo, que objetivava a reflexão sobre a mudança
do paradigma; Perfil Profissional(7).com intuito de mapear os conhecimentos
ensinados até então em cada disciplina (importante na orientação da seleção dos
conteúdos). Também ocorreram Oficinas de Currículo com os objetivos de: definir
as áreas do currículo integrado, selecionar os conteúdos, estabelecer o nível
de articulação possível com as disciplinas ministradas por outras unidades de
ensino, estruturar a rede de conhecimentos por área, localizar os conceitos-
chave e habilidades e identificar e sistematizar os princípios técnico-
científicos, políticos e filosóficos(8).
Em paralelo, a sensibilização do corpo docente continuou com uma Oficina do
Teatro do Oprimido e o Currículo Vivo, além da elaboração do projeto
preliminar.
Como estratégia de legitimação junto às instâncias universitárias encaminhou-se
ao Departamento de Ensino da Graduação/SR1 (DEG), uma proposta denominada
Currículo Integrado Fundamentado na Teoria Crítica da Educação, que é aprovada
e recebe o apoio dessa instância. Em 30/11/95 a direção apresenta em reunião de
corpo docente, a versão final do projeto que é aprovada e em seguida
encaminhada à Sub-reitoria de Graduação.
No ano de 1996, houve mudança da direção da FENF/UERJ e marcou o início da
implementação do currículo integrado. Em 31 de maio, o Conselho Superior de
Ensino e Pesquisa se reúne em sessão extraordinária para apreciar o relato do
processo nº 671/96, que é aprovado pelo plenário. Em 25 de dezembro de 1996,
foi promulgada a deliberação que regula o currículo pleno do Curso de Graduação
em Enfermagem(8).Constituindo-se em importante marco desse estudo.
Nessa ocasião estavam em condições de operacionalização apenas as subáreas
Assistencial I - Saúde, trabalho e meio ambiente -, parte da Fundamental I -
Educação e pesquisa em enfermagem - e Fundamental III - Administração do
processo de trabalho em enfermagem na rede básica, sendo as demais construídas
em paralelo com o desenvolvimento do currículo.
Ressaltamos que os dados do estudo a partir do marco mencionado foram embasados
por documentos do acervo do Centro de Memória da FENF/UERJ.
A mudança de paradigma gerou a necessidade de acompanhamento e avaliação da
implantação do currículo. Para identificar as dificuldades na consecução da
nova metodologia, diagnóstico da aderência à corrente filosófica, propostas de
superação e registro do desenvolvimento de cada etapa passam a ser realizados ,
duas vezes por semestre, Seminários de Avaliação ,com a participação dos
professores e alunos envolvidos em cada período. A outra linha de trabalho
consistiu em reuniões regulares da comissão de currículo com os professores,
visando avaliar as estratégias de integração entre subáreas.
Ao mesmo tempo dava-se continuidade à construção da subárea Assistencial II -
Promovendo e Recuperando a Saúde Mental. Em maio deste mesmo ano, com o
objetivo de sensibilizar os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem
quanto ao conceito de educação e as metodologias adotadas, alunos, professores
e funcionários participaram de uma nova oficina.Como era preciso também a
apropriação de novos conceitos relativos à avaliação de aprendizagem, a
comissão de currículo organizou o 1º Curso de Capacitação em Avaliação, em
dezembro de 1996.
A necessidade de aprofundamento teórico levou a comissão de currículo a
organizar, no mesmo ano, novas Oficinas de Capacitação Pedagógica para o corpo
docente. Posteriormente essa atividade passou a ser desenvolvida em parceria
com o PROECOS/SR3a.
A construção das Áreas Assistencial e Fundamental continuou ao longo dos anos
de 1997 e 1998. Em 1997, foram construídas as subáreas: Assistencial III -
Saúde do Adolescente, Adulto, Idoso e o Mundo do Trabalho; Fundamental II -
Administração do Processo e da Assistência de Enfermagem, na área hospitalar, e
III - O Exercício da Enfermagem e suas Bases Históricas, Políticas e
Filosóficas. Em 1998, foram construídas as Subáreas Assistenciais IV - Saúde da
Mulher e V - Atenção Integral à Saúde da Criança.
No ano de 1999 iniciou-se a reconstrução e operacionalização do novo Internato,
desenvolvido nos dois últimos períodos e denominado Experimentando o Exercício
Profissional. A sua reorganização foi orientada pelos mesmos princípios que
nortearam a construção das subáreas nos períodos anteriores. Essa nova
organização possibilitou ao corpo discente adquirir uma visão abrangente das
ações do enfermeiro nos contextos da comunidade, da rede básica e hospitalar
com uma concepção de complexidade crescente das ações de promoção, prevenção,
tratamento e reabilitação dirigidos aos diversos grupos humanos .
No ano de 2000, já em uma nova gestão, constatou-se que para facilitar a
articulação das várias subáreas do currículo era necessária a ampliação da
comissão responsável pelo seu acompanhamento, com representantes de cada
subárea, além das chefias de departamento.
Neste ano ocorreram também: a 1ª Oficina de Avaliação Diagnóstica do Internato,
com o objetivo de ajuizar de maneira propositiva, seu planejamento e
operacionalização, apontando para a importância da construção de habilidades e
atitudes esperadas ao longo dos sétimos primeiros períodos, bem como o
desenvolvimento das competências, em consonância com o perfil profissional
esperado. A 2ª oficina, que discutiu as competências, habilidades, carga
horária e cenários relativos a cada uma das subáreas , permitiu a elaboração do
Caderno do Internato e a 3ª Oficina, realizada em maio de 2001, procedeu a
revisão e readequação do seu regimento.
Ainda em 2000, a Comissão de Currículo organizou a 1ª Oficina Diagnóstica da
Construção do Projeto Político Pedagógico. Nela além do aprofundamento da
discussão sobre a Missão, Perfil da Instituição e os fundamentos do currículo
integrado, realizou-se uma reflexão sobre as competências preconizadas pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais. Essa reflexão gerou uma outra oficina,
"Construindo as Competências para o Ensino de Enfermagem", que teve como
objetivo a construção das competências a serem adquiridas no Internato, a
partir dos conhecimentos, habilidades e atitudes desenvolvidas nas subáreas.
Todo projeto contra hegemônico requer a sua contínua realimentação, isso também
se deu através da discussão quanto ao papel e às competências dos coordenadores
de período.
O movimento de construção-implementação-avaliação -reconstrução, próprio do
conceito de currículo enquanto práxis e processo, resultou em modificações da
estrutura e do plano curricular. Envolveu mudanças de nomenclatura, criação,
reestruturação e realocação de subáreas, com redistribuição de carga horária,
além de mudanças na proposta inicial do internato. A reconfiguração do plano
curricular foi aprovada pelo Conselho Superior de Ensino e Pesquisa através da
Deliberação nº 005/02, encontrando-se em vigência a partir do primeiro semestre
de 2002.
Em agosto de 2002 a Comissão de Acompanhamento Curricular promoveu um conjunto
de oficinas com os temas: Avaliação Institucional - O Olhar Externo e Interno;
Qual parte me cabe neste conjunto; e Tecendo os fios da trama. Nelas
identificou-se a centralidade para o currículo dos temas transversais, que
ultrapassam os limites de uma única subárea e que precisam ser melhor definidos
e categorizados, tais como: Semiologia e Semiotécnica; Contexto Político e
Histórico na Saúde; Ética e Bioética.
No primeiro ano de aplicação, para a Enfermagem do Exame Nacional de Cursos, em
2002, a FENF/UERJ foi uma das doze instituições que obteve conceito A em nível
nacional e a única em nível estadual.
3 Considerações finais
Foi necessário percorrer todo um caminho, sabendo-se que se faz o caminho ao
andar, para que vislumbrássemos com clareza a nova missão institucional e o
perfil de alunos que os novos tempos requeriam. Assim, fomos guiados o tempo
todo por concepções de educação e saúde nas quais acreditávamos.
Essa missão é o compromisso da FENF/UERJ com a formação de enfermeiros
cidadãos, conhecedores dos problemas do seu estado, por meio de atividades de
ensino, pesquisa e extensão, para atender as necessidades de saúde da
sociedade, cuja responsabilidade ultrapassa os níveis puramente técnicos,
exigindo de si adoção de posições em relação ao mundo e à vida.
Dessa forma, a instituição pretende formar enfermeiros que apresentem como
perfil profissional: Ser comprometido com a vida na expressão máxima de seu
potencial a partir de princípios éticos, nas dimensões técnica e política, que
respeitem o ser humano no seu direito à liberdade e dignidade, desenvolvendo a
tolerância no trato com as diferenças. Exercer a democracia na busca da
conquista de direitos e exercício de deveres, participando como um cidadão
cônscio do seu papel para a sobrevivência do planeta. Enfermeiros capazes de
intervir no processo gerador saúde/doença categorizando os grupos de risco e
propondo ações de atenção à saúde que resultem na melhoria do bem estar das
pessoas a partir de uma atuação técnica, educativa, política e produção do
conhecimento
O marco conceitual indicava que só uma concepção educacional essencialmente
democrática, que resgate o conceito e a prática da cidadania e que permita a
crítica e a reflexão, pode atender à realidade. A construção desse projeto
pedagógico foi norteada por uma Educação Crítica, na medida que o significado
de crítica enquanto constructo filosófico está relacionado à categoria de
totalidade e coloca-se como elemento fundamental para uma leitura dialética da
realidade. Nessa concepção o currículo é interpretado a partir de suas relações
com a estrutura social, a cultura, a ideologia e o poder; tendo como
preocupação entender a favor de quem trabalha e como fazê-lo trabalhar a favor
dos grupos e classe oprimidos(9).
A opção pelo currículo integrado no interior deste projeto requer a adoção da
visão dialética de unidade indissolúvel entre teoria e prática, que é
assegurada pela relação simultânea e recíproca de autonomia e dependência de
uma relação com a outra(10).
Quanto à escolha da metodologia de ensino, os professores entendiam não ser uma
mera opção técnica, mas uma decisão que envolve questões éticas e visões de
homem e de mundo. A opção, baseada em Paulo Freire, de uma Metodologia
Problematizadora - caminho para a concretização de uma educação crítica,
dialética e dialógica - que tem o aluno como sujeito da aprendizagem,
reconhecendo suas características e sua história de vida em seu contexto sócio-
econômico-cultural.
O marco referencial do campo da saúde expresso no currículo tem por base o
Paradigma da Produção Social da Saúde, que se fundamenta na idéia de que tudo o
que existe é produto da ação humana na sociedade (11)e tem por base a
multideterminação do fenômeno saúde-doença. A natureza do conceito de saúde, da
Lei 8080 é eminentemente interdisciplinar, visto que tem por base as múltiplas
determinações e mediações históricas que o constituem.
A interdisciplinaridade no ensino em saúde implica a integração disciplinar -
currículo integrado- em torno de problemas oriundos da realidade de saúde, onde
os conteúdos das disciplinas que auxiliam na compreensão daquela realidade
interagem dinamicamente estabelecendo entre si conexões e mediações. Nessa
proposta, o princípio de hierarquia entre as ciências é substituído pelo
princípio de cooperação, possibilitando a transitividade interna entre
fragmentos de ciência, conceitos e linguagens..Quanto à visão de sociedade é
plural em busca de mudanças históricas, políticas e econômicas capazes de
superar as fortes desigualdades sociais.