A pesquisa em enfermagem no congresso de iniciação científica de uma
universidade de São Paulo
PESQUISA
A pesquisa em enfermagem no congresso de iniciação científica de uma
universidade de São Paulo
La investigación en enfermería en el congreso de iniciación científica de una
universidad de São Paulo
Nursing research at the congress on scientific initiation in a university in
the city of São Paulo
Maria Magda Ferreira GomesI; Maria Cristina SannaII
IEnfermeira. Mestre e Doutora em Enfermagem. Professora Titular e Membro da
Comissão Científica da Faculdade de Enfermagem da Universidade de Santo Amaro.
IIEnfermeira. Mestre e Doutora em Enfermagem. Professora Titular e Membro da
Comissão Científica da Faculdade de Enfermagem da Universidade de Santo Amaro.
Email do autor: mcsanna@uol.com.br
1 Introdução
A atividade de pesquisa na graduação é importante para desenvolver, no futuro
enfermeiro, o espírito crítico e a competência para buscar respostas para os
problemas da prática profissional. Dentre as variadas iniciativas que propiciam
esse desenvolvimento, a Iniciação Científica se destaca como oportunidade
valiosa porque proporciona a aplicação, na prática, da teoria aprendida na
disciplina de Metodologia da Pesquisa.
A Iniciação Científica é apontada como favorecedora de noções teóricas e
metodológicas de pesquisa, buscando incentivar-lhe [ao aluno de graduação] a
capacidade de pensar e o espírito questionador(1).
Há vinte e três anos apontava-se os benefícios da inserção precoce do aluno de
graduação na atividade de pesquisa, dentre os quais se destacava a redução do
medo associado com a pesquisa, o aumento da iniciativa de identificar áreas
carentes de investigação, o desenvolvimento da capacidade de reconhecer os
critérios de validade e confiabilidade de uma pesquisa, o comportamento de
busca da superação de barreiras e obstáculos ao conhecimento, que se estende ao
cuidado com o cliente, e o aprendizado do relacionamento colaborativo com os
professores(2).
A Iniciação Científica é uma das oportunidades de inserção do aluno de
graduação na pesquisa que pode favorecer a conquista dos benefícios citados e
é, ao lado da elaboração do trabalho de conclusão de curso, o canal adequado
para o desenvolvimento dessas habilidades. Tem por objetivos:
Propiciar à instituição um instrumento de formulação de política de pesquisa,
para a iniciação científica na graduação; Estimular uma maior articulação entre
a graduação e a pós-graduação; Estimular o pesquisador/orientador a formar
equipes; Estimular o envolvimento de novos pesquisadores na atividade de
formação; e Introduzir o aluno de graduação no mundo da pesquisa científica(3).
Já para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo o programa de
iniciação à pesquisa
destina-se a alunos de graduação em instituições de ensino superior localizadas
no Estado, para desenvolvimento de pesquisa científica (IC) ou tecnológica (IT)
sob a direção de um orientador com título de doutor ou qualificação
equivalente, avaliada por sua súmula curricular. O aluno já deve ter concluído
um número suficiente de disciplinas relevantes para o desenvolvimento do
projeto de pesquisa(4).
A universidade em foco no presente trabalho começou a promover Congressos de
Iniciação Científica a partir de 1998, trinta anos após sua fundação. Desde
este momento a Enfermagem se fez representar, levando número crescente de
trabalhos(5), chegando ao volume de 42 relatos em 2002. A atividade é apoiada
pela Diretoria de Pesquisa por meio de bolsas de estudo para os acadêmicos e
auxílio-pesquisa para os orientadores, quando solicitado. A premiação para os
melhores trabalhos resulta no financiamento para a reapresentação dos mesmos em
evento nacional de pesquisa. Assim, apesar do financiamento não ser estendido
para todos os pesquisadores, há interesse na participação no evento,
constituindo-se em atividade significativa, a ponto de merecer reserva de data
dentro do calendário acadêmico, o que não é comum em universidade particulares.
Dessa maneira se busca cumprir um dos objetivos da universidade na busca de
qualidade através da investigação sistemática e produção efetiva de
conhecimento, tornando este momento particularmente interessante para a
observação da atividade de pesquisa nos seus cursos de graduação.
O Curso de Graduação em Enfermagem desta universidade paulista iniciou sua
primeira turma em 1997 e já apresentava, em seu Projeto Pedagógico original, a
preocupação em fornecer ferramentas básicas ao aluno para a apropriação crítica
de relatórios de pesquisa(6). Com a implementação do currículo e obedecendo aos
postulados emanados das autoridades de ensino, desde 2000 exige a apresentação
de Trabalho de Conclusão de Curso que envolve pesquisa bibliográfica. O Projeto
Pedagógico foi reformulado em 2000, reduzindo-se o tempo de titulação de cinco
para quatro anos, mas conservou as mesmas disposições sobre a pesquisa, apenas
trazendo mais para o início do curso - 2o ano, a fundamentação para esta
prática(7).
Em 2002, em vista da crescente produção científica conduzida pelo corpo
docente, a faculdade, através de sua Comissão de Pesquisa, constituída nesse
mesmo ano, tomou a iniciativa de reorganizar e ampliar o número dos seus
diretórios cadastrados no Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia, definir
suas linhas de pesquisa e pesquisadores a elas vinculados, proporcionando uma
estrutura mais sólida para o desenvolvimento da atividade, uma vez que não é
possível garantir o aprendizado da pesquisa sem efetivamente praticá-la.
Esse breve panorama da pesquisa na Faculdade de Enfermagem da universidade
citada evidencia que o momento vivido por ocasião da realização do 5o Congresso
de Iniciação Científica exigia uma avaliação sistematizada do produto dos
esforços de pesquisa na graduação, a fim de permitir a elaboração de diretrizes
e determinação de estratégias para o prosseguimento da atividade com a
qualidade que os novos compromissos demandavam, motivo pelo qual foi eleito
como objeto de estudo do presente trabalho, a avaliação da produção,
apresentada no evento citado, pelos pesquisadores desta faculdade.
2 Objetivo
Avaliar a correção metodológica dos trabalhos apresentados, em 2002, no 5o
Congresso de Iniciação Científica, pelos alunos e professores do Curso de
Graduação em Enfermagem de uma Faculdade de Enfermagem de uma universidade
paulista.
3 Metodologia
Para realização deste estudo descritivo as fontes empregadas foram o resumo
publicado nos anais do evento(8) e os pôsteres afixados no local de exposição,
de cada um dos 42 trabalhos. Dos 470 trabalhos apresentados no Congresso, 42
foram produzidos pelos alunos e docentes do curso de Enfermagem, representando
9% do total e ocupando o 4o lugar no quantitativo geral, sendo precedidos das
áreas de Educação Física, Psicologia e Medicina, nesta ordem.
Os materiais foram avaliados em relação a tipo de estudo, objetivos,
metodologia, resultados, conclusões, vinculação à linha de pesquisa e
observância aos aspectos éticos da pesquisa com seres humanos.
Para tanto foi elaborado um instrumento de coleta de dados que contemplou as
variáveis elencadas e espaço para anotações sobre as adequações/inadequações
encontradas. A leitura do resumo e apreciação dos pôsteres foi feita durante os
dias do evento, por duas doutoras em Enfermagem, sem a presença dos expositores
e dos visitantes, num período de seis horas, com uma interrupção para descanso.
Os dados foram computados no programa Excel, e a análise dos dados realizada
através de estatística simples, apresentada em freqüência absoluta e
proporcional.
4 Resultados
A classificação do tipo de estudo obedeceu ao postulado por Triviños(9) que
nomeia os estudos como: exploratórios, descritivos e experimentais. Por estudo
exploratório este autor define aqueles que permitem ao investigador aumentar
sua experiência em um determinado problema. Parte de uma hipótese e aprofunda
seu estudo nos limites de uma realidade específica, buscando antecedentes,
maiores conhecimentos para, em seguida, planejar uma pesquisa descritiva ou
experimental. Os estudos descritivos, por sua vez, pretendem descrever com
exatidão os fatos e fenômenos de determinada realidade. Incluem os estudos de
caso, os estudos correlacionais e os ex-post-facto. Já os estudos experimentais
exigem um planejamento rigoroso, partem de uma exata formulação do problema e
definição precisa das hipóteses, de modo a permitir o controle de variáveis, a
fim de estabelecer relações estatisticamente significativas que expliquem o
objeto de estudo e ofereçam subsídios para a teorização a seu respeito.
Dos 42 trabalhos analisados, o tipo de estudo mais freqüente foi o descritivo,
com 79,0% (33 trabalhos), sendo que três não declararam o tipo de estudo e seis
não eram pesquisa, e sim relatos de experiência ou estudos de casos
assistenciais, como se pode ver na Tabela_1.
Comparando-se com o estudo anterior, que apontou 61% dos estudos do tipo
descritivo para iniciação científica, nota-se que também na presente avaliação
a maior parte dos trabalhos apresentados concentrou-se nesta modalidade. Isso
pode ser explicado pelo fato dos projetos de iniciação à pesquisa preferirem
objetos mais simples com abordagens iniciais de aproximação, de forma a
facilitar a inserção do aluno e seu desenvolvimento nessa atividade.
Se por um lado essa escolha parece ser a mais acertada para propiciar o
desenvolvimento completo de uma pesquisa durante o tempo compatível com a
duração do curso de graduação, por outro lado, este tipo de pesquisa é pouco
significante quando avaliado o grau de conhecimento desenvolvido na área(10).
Saliente-se que esse comentário se referia não só a produtos de iniciação
científica, mas para toda a produção veiculada de 1993 a 2001 na Revista Latino
Americana de Enfermagem.
Quanto aos objetivos, 45,2% dos trabalhos (19) foram adequadamente construídos
enquanto 31% (13) apresentaram-se pouco claros e não mensuráveis, e 11,9% (5)
foram confundidos com objetivos assistenciais. Além disso, três trabalhos não
declararam seus objetivos, um teve sua construção inadequada e outro não
apresentou correspondência com o método de estudo.
A avaliação da metodologia apontou mais de uma inadequação para um mesmo
trabalho, num total de 56 ocorrências. Destas, foram identificados problemas
quanto à seleção de população e variáveis de estudo, definição de termos, erros
teórico-conceituais, forma de coleta e análise de dados, sendo que apenas oito
trabalhos estavam adequados.
Outro estudo também evidenciou como falhas metodológicas a pequena utilização
de fundamentação teórica como suporte da pesquisa, a desarticulação entre o
referencial teórico e os dados obtidos no estudo, a descrição incompleta do
material e método e população, critérios de amostragem, procedimentos de coleta
de dados e método usado(10).
Considerando-se que a iniciação científica sempre é desenvolvida pelo aluno sob
orientação docente, há que se indagar sobre o preparo deste para o desempenho
do papel de pesquisador.
Não é possível atribuir exclusivamente ao docente a dificuldade com a condução
metodológica, pois se sabe que muitos pesquisadores são capazes de conduzir com
segurança e rigor suas próprias investigações, ao mesmo tempo em que têm
dificuldade em orientar um outro pesquisador, menos experiente, a seguir um
caminho metodológico correto. Ainda assim, a decisão de apresentar o relatório
da pesquisa depende da autorização do docente, motivo pelo qual este aspecto
merece profunda reflexão. Um das possibilidades para a superação dessa
dificuldade pode estar no crescimento e desenvolvimento dos grupos de pesquisa,
capazes de propiciar a qualificação através da troca de experiências e
discussões sobre as pesquisas em andamento em cada núcleo de estudo.
Os resultados dos trabalhos analisados mostraram-se adequados em 57,1% (24) e
não consistentes em 11,9% (5), dentre mais outros dez tipos de inadequações,
como se pode apreciar na Tabela_3.
Dentre os erros mais freqüentes estão a falta de consistência, a ausência de
discussão e a apresentação incompleta dos dados. Houve ainda dois trabalhos que
apresentaram erro de concepção teórica. Com apenas uma ocorrência apareceram
falhas como confusão com a população do estudo, não respondeu aos objetivos
propostos, não permitiu a identificação do que foi medido, sem uniformidade na
apresentação dos dados numéricos e com discordância do apresentado no resumo.
Os resultados são o produto da metodologia desenvolvida. Portanto, se houve
falhas nas etapas anteriores do processo de pesquisar, é natural que se
encontre um número grande de inadequações na sua descrição. Chama à atenção o
fato de ainda serem apresentados resultados sem que sejam discutidos, revelando
uma atitude de pouca atenção dos pesquisadores envolvidos na investigação,
ainda que a maioria dos trabalhos seja do tipo descritivo, na fase preliminar
de exploração.
As conclusões dos trabalhos analisados revelaram-se adequadas em 33,3% (14),
seguidos de 31,5% (13) que não respondiam aos objetivos do estudo, como se pode
apreciar na tabela_4. Do total de trabalhos analisados, 64,3% (27) não
mencionaram o atendimento às prescrições sobre ética em pesquisa com seres
humanos, seguidos de 23,8% (10) que as contemplaram.
Chama à atenção o fato da desvinculação aparente entre os objetivos e as
conclusões, observados em 31,0% dos trabalhos analisados. Embora estudos
descritivos não se proponham a provar nenhuma hipótese, ainda assim, espera-se
que o pesquisador emita sua opinião sobre os achados ou, ao menos, demonstre,
ao leitor, a preocupação em verificar se os objetivos foram atingidos. Marziale
e Mendes10 encontraram, em seu estudo, o mesmo tipo de problema, podendo-se
inferir que os enfermeiros que nele apresentavam essas deficiências devem
trazê-las desde a graduação, motivo que ressalta a necessidade de preparação
para o desempenho em pesquisa que contemple todas as etapas do processo de
investigação, inclusive a elaboração completa do relatório de pesquisa.
As pesquisas que empregam métodos qualitativos, pela própria natureza do
estudo, não permitem a apresentação de conclusões. Isto poderia explicar em
parte o fenômeno observado, porém um único estudo empregou essa metodologia.
A faculdade de enfermagem em foco possuía, à época de realização do estudo,
quatro grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, a saber: Enfermagem, Enfermagem
em Saúde Coletiva, Zinnia: Grupo de Estudo e Pesquisa em Saúde da Criança e do
Adolescente e Centro de Estudos e Pesquisas em História da Enfermagem, os três
últimos constituídos em 2002. A distribuição dos trabalhos nesses grupos pode
ser apreciada no gráfico_1, onde se observa que a maior concentração está no
grupo mais antigo, onde também se concentra a maior parte dos docentes
pesquisadores que apresentaram trabalhos neste evento.
Ao analisar a vinculação destes trabalhos às onze diferentes linhas de pesquisa
dos quatro grupos de pesquisa da faculdade de enfermagem, observou-se a
concentração na linha "assistência de enfermagem" (61,9% - 26 trabalhos) nas
áreas temáticas de saúde da mulher e saúde do adulto.
O cotejamento dos resultados do presente trabalho, a partir do indicado na
tabela_5, com a proposição de classificação de linhas de pesquisa(11,12)
demonstra que a área temática assistencial é a mais desenvolvida na faculdade
em análise, ao contrário do que foi encontrado a produção científica da
Enfermagem brasileira de 1990 a 1999, em que preponderava a área organizacional
e profissional.
As mesmas autoras também declararam que, na área assistencial, houve
predominância da linha "Cuidar em enfermagem no Processo Saúde-doença", e na
linha "processo de Cuidar em Enfermagem" não houve ênfase para clientelas
específicas, o que já aconteceu no presente trabalho.
Fonte: Dados da Pesquisa
A julgar pelo comentado no estudo de Souza(13) pode-se dizer que a produção
científica da faculdade em foco ainda está num estágio inicial de
desenvolvimento, centrado nas questões técnicas e científicas do cuidar
biológico individual, posto que pouco se ocupa questões maiores como a inserção
da Enfermagem no processo de trabalho em saúde. Considerando o tempo de
existência da faculdade e, portanto, da atividade de pesquisa nela
implementada, é esperado que esse seja o cenário preponderante.
Ainda assim, há que se buscar uma reorientação para o contexto atual da
pesquisa em enfermagem. Assim, contemplando objetos como outras tecnologias,
novas formas de gestão do trabalho e articulações político-sociais que
privilegiam o cuidar ético e humano na produção dos serviços de saúde, de forma
a abarcar as modificações do mundo do trabalho, das relações sociais e dos
padrões culturais que trazem implicações para a prática da Enfermagem(14).
Conclusão
Os trabalhos apresentados pela Faculdade de Enfermagem de uma universidade
paulista no 5o Congresso de Iniciação Científica em 2002 apresentaram razoável
grau de correção metodológica, quando observados no contexto da Enfermagem
brasileira. No entanto, a apreciação dos mesmos indicou que a atividade de
pesquisa desenvolvida pelos os alunos e docentes da faculdade de enfermagem em
foco, na época estudada estava em construção, requerendo investimentos na
capacitação dos orientadores quanto aos aspectos metodológicos. A despeito de
dois terços de o corpo docente possuir o título de Mestre e/ou de Doutor,
notou-se que há necessidade de contínuo aperfeiçoamento dos responsáveis pela
condução da pesquisa na faculdade citada, quanto à operação dos métodos de
pesquisa, critérios para escolha de objetos de estudo e condução da orientação
dos acadêmicos no processo de trabalho pesquisar em Enfermagem.
Para atender à necessidade de fortalecimento e expansão dos grupos de pesquisa
e das linhas em atividade, esses esforços deverão ser empreendidos a partir do
estabelecimento de diretrizes, objetivos e metas, de maneira participativa, a
fim de conjugar os conhecimentos e as habilidades disponíveis individualmente
para um projeto conjunto de construção de sólidas bases para o progresso da
pesquisa em Enfermagem nesta faculdade.
Esta avaliação, oportuna tendo em vista a representatividade da produção
científica em Enfermagem desta universidade, pode ajudar a ultrapassar o
enfoque no quantitativo expressivo de trabalhos para o amadurecimento da
atividade de pesquisa em busca de um novo patamar de qualidade.
Por fim ressalte-se o caráter pioneiro e pontual da presente avaliação,
recomendando-se sua continuidade a fim de que se possa identificar tendências,
dificuldades e facilidades que permitam direcionar as ações corretivas e
prospectivas nessa área.